16 de agosto de 2010

Tempo


Tempo pra se perder. Tempo pra perguntar. Tempo pra responder. Tempo pra se encontrar. Tempo. Tempo pra desejar. Tempo pra conquistar. Tempo pra se viver. Tempo de saber morrer. Tempo. Tempo de ter. Tempo de ser depois de ter. Tempo.
Tempo que remedeia tudo. E Tempo que nos lembra a finitude de cada amanhecer.

Romper



Encontrei esse texto há alguns dias, dentro de um caderno. Escrevi ele no meu primeiro mês aqui na Espanha, mas ele se faz atual, mesmo reconhecendo que o meu lugar na estrada e que a intensidade dos sentimentos tenham se tranformado...
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A Fé e o Medo. A fé, a luz. O medo, a sombra. Sentimentos contrários. Ambos moram dentro de mim. Ora o norte, ora o freio do meu caminhar; céu e inferno; experiência de completa clareza e momentos seguintes, de intensa escuridão.
Nesta constante contraditoriedade vivo pura intensidade; na surpresa em me reconhecer nesse velho continente e na estranheza causada pela distância de casa; pela diversidade dos caminhos; infinitude dos encontros; e novos perfumes que tomam meu coração.
A ausência das antigas proteções às quais estava tão acostumada me desesperou por refúgio, mas desta vez não o encontrei onde ele sempre estava. A raiva e a dúvida quanto ao meu próprio caminho me trouxeram o choro de criança na esperança de que alguém se comovesse com a tristeza e me desse algum descanso. Mas foi em vão, a minha solidão permaneceu imóvel, ao pé da cama, noites a fio.
Entre os instantes de cada respiração, a Alma aproveitava para dizer, “calma”. E ainda que desconfiada, o meu cansaço foi permitindo a sedução pela doce melodia dessa voz que me falava. Aos poucos, fui cedendo, encontrando aconchego entre seus braços.
Por mais que ainda relute, não me conforme por ter comigo o peso da finitude; por mais que queira insistir em permanecer no imutável, no confortável; por mais que me sinta profundamente violentada pelo insistente rompimento da minha Alma, ao poucos, sinto que tenho cedido.
Lá fora, a instabilidade do mundo continua a ser uma constante, mas, agora, se tece uma força dentro, dia-a-dia, sem descanso. Ela é firme, mas dança a dança do vento.
Por mais que a falta no que me apegar me faça querer acreditar que é possível voltar, seguir em frente é a única direção. Não há caminho de volta. Virou poeira e Eu não vivo mais lá.
Eu desconheço o meu futuro, tão pouco sei a próxima paisagem, cidade, ou país, mas quero, antes que amanheça, habitar o mundo em mim.
Viver a minha própria humanidade é o meu caminho de volta a divindade.


7 de novembro de 2009

Por inteira



A mãe conta que, quando criança, a menina era uma bonequinha. Vivia com vestidos, lacinhos na cabeça, distribuía sorrisos para todos e dormia que era uma beleza. O pai, preocupado, até a levou ao médico para saber o motivo de tanto sono! Não dava trabalho algum e mantinha todos os carinhos ao seu redor.
A tão amada bonequinha cresceu com medo de deixá-la de ser. A força direcionada para não deixar a boneca se perder, deixou os seus mais íntimos desejos sufocados, sem ar pra poder viver.
Muitos anos se passaram com a angústia do peito que guardava tantos sonhos irrealizados. Muito tempo pra perceber que fazer pelo Outro, para que este fizesse por ela, era o caminho mais longo, repleto de frustrações e que, por fim, somente enganava sua fome.
Convencer-se que a boneca não é gente e que querer ser esta é renunciar uma parte viva, tão importante de si mesma, foi (é) uma tarefa muito difícil. Enfrentar, talvez, o seu maior medo, frustrar o Outro e, mostrar a este o escorpião que também a habita, a paralisou até então. Porém, a espera e o desejo por ser inteira trouxeram, na experiência do outro extremo, algo transformador.
Já faz um tempo que o corpo não está a deixando mentir. As sensações, desejos e fúrias reprimidas estão expostas, escancaradas nela por inteira. O egoísmo, tanto tempo latente, invadiu-a também. Desta vez, não há mais força e nem desejo em devolvê-los ao escuro.
Não se sabe ao certo onde está a boneca. Hoje ela se sente escorpião. Ele está ali, nela, é ela, e por incrível que pareça, a moça está aprendendo a amá-lo.
A quitação da dívida com ele requer tempo, mas dar o ar que por tanto tempo foi privado, tem preenchido seus pulmões também. Ela sente novos perfumes, um novo sangue circular.
Por mais triste que fica por ter ferido o Outro, se sente, pela primeira vez, acolhida e preenchida de si mesma. Em uma confusão de sentimentos, o novo brigando com o velho, há uma nova liberdade que desponta. Talvez não consiga traduzir em palavras, mas deixar tantas roupas da mala que carregava pra trás a torna leve, livre, preenchida pela esperança de que o novo potencialize, ainda mais, o que está sendo construído ali; que este, ativo, concretize os seus mais íntimos desejos.
No fim, no fundo, a boneca e o escorpião querem viver juntos e serem partes de um só. O que sobreviverá de cada um destes no final?

27 de julho de 2009

Arrepios



Ele aparece. Noto a presença do seu olhar, mas não levo o meu ao encontro do seu. Estou ocupada com minhas dores, com meus medos, meus rancores. Porém, gosto de me sentir olhada por ele.
Com as semanas, vou me aliviando das preocupações das outras horas, dos outros dias e, as quintas-feiras vão sendo mais saboreadas como quintas-feiras, dançadas como quintas-feiras e ele, que sempre está lá, vai ganhando contorno, cor, nitidez e cheiro. A minha curiosidade em saber quem realmente me olha, aumenta. Timidamente, dou uma espiada, mas ainda hesito em encontrá-lo. Ele, pelo contrário, vem chegando mais perto, insiste com o olhar. E com um beijinho, jogado de longe, ganha definitivamente o meu sorriso.
É difícil definir o que, exatamente, me encanta; ele tem algo (muito) doce e um carinho gostoso que me dão uma vontade de colocar umas cinco ou seis quintas-feiras a mais na semana.
O meu corpo com o dele arrepia, o encontro dos olhares, penetrantes, num silêncio cheio, me arrepia e as respirações em um único pulsar me arrepiam por inteira. Dos pés à cabeça, da pele ao coração, tudo arrepia, excita. A excitação pode se apagar no próximo encontro, mas o desejo que incendeie me faz sonhar.

2 de maio de 2009

Dor


Eu estou com a raiva à flor da pele. A impaciência me consome. O mundo é a minha dor.
Por mais que queira, ao menos uma gota de otimismo, a dor sentida, todos os dias, tem acabado com o meu bom humor.
Por quanto tempo eu ainda vou sentir essa dor? De quanto tempo preciso pra aprender a suportá-la?
O tempo nunca me pareceu tão devagar. Os dias não passam, as semanas custam a passar. O andar é lento. Lento e muito pesado. Têm dias que parecem insuportáveis, mas às vezes, goles de coragem entorpecem minha dor e diminuem, um pouco, a ansiedade que me toma conta. Bom seria se todos os dias fossem assim, mas por mais que todos os espaços de ar que inspiro sejam com o desejo de me encontrar com essa coragem, não são todos os dias que ela é fácil de ser encontrada.
Hoje, todos os movimentos me custavam. A lembrança do fim de semana em meio àqueles que eu tanto gosto de compartilhar, trouxeram à tona a saudade da risada despreocupada, da espontaneidade das palavras sem sentido, dos sutis gestos somente percebidos pelos sorrisos dos amigos, do meu movimento, agora, um tanto quanto perdido.
A loucura descontraída do rapaz trouxe o meu sorriso pra fora e até fez, por um instante de tempo, eu perder o fôlego de tanto rir, mas uma ponta de tristeza cutuca o meu coração ao não encontrar a loucura descontraída em mim. Mudo o olhar de direção, mas a evidência dos movimentos, nas pernas das moças, também evidenciam a falta dos meus próprios movimentos.
Fui dormir com o nó na garganta, rezando para que a noite demorasse um pouco mais pra passar, pro sono ter um pouco mais de tempo pra durar e pro sonho gostoso ter um gostinho maior de realidade. O nó acordou na garganta. Sete horas. Sem nem mais um minutinho pra enganar o relógio, virar pro lado e voltar a dormir. Como não tenho mais meus seis anos de idade, nos quais a única desculpa pra esquecer tudo e passar o dia no sofá, de pernas pro ar, tinha que ser dada para minha mãe, levantei contrariada e segui o rumo dos meus compromissos.
Andei pela rua com o choro entalado atrás do colo que eu tanto queria pra me acarinhar, só um pouquinho. Pro meu alívio, o colo gostoso, do abraço carinhoso e olhar compreensivo apareceu pra acolher o meu choro. O choro que tinha todas as dores diluídas, que se misturou à raiva, às frustrações, às vontades que permanecem, no momento, somente como vontades.
O choro desafrouxou o nó da garganta e a angústia do peito. Hoje acordei disposta a receber a dor do jeito que ela quisesse. Quando ela veio, fiz força, mordi o travesseiro, contraí o corpo inteiro e ajudei a dor a cumprir um bocado do seu destino.
Por mais que esta angústia permaneça fazendo o compasso do peito um passo apertado, o esforço da força feita com a dor diminui um tanto a distância entre o choro apertado e o choro final, aliviado.
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"As oportunidades para procurar forças mais profundas em nós mesmos vêm quando a vida parece mais desafiadora". (Joseph Campbell)

13 de abril de 2009


Sempre levei a crença de que o crescimento que eu procurava viria com a consciência de cada ato, de cada passo. Continuo acreditando, mas o que percebo agora é a confusão que fazia entre ser consciente e controlar; um controle para o qual eu sempre dei grande parte das minhas forças, visceral, na tentativa de fugir do que é imprevisível, incontrolável, escuro e dolorido. Não é a toa que as minhas impressões sobre vida e morte se fundiam e confundiam; o movimento parecia cessar, sufocado, apertado e o caminhar ficava lento frente à velocidade dos meus sonhos, à ansiedade dos meus desejos e à impaciência com as minhas próprias imperfeições.
É. Tantas vezes condenei aqueles que pareciam estranhos à si mesmos, tantas vezes me incumbi da tarefa de apresentá-los às suas próprias almas achando que a minha, eu já conhecia, que a minha, já estava perto de mim, entre os meus braços. Grande engano. Falso controle desse ego teimoso.
As almas são da vida, são a vida (a vida são as almas) e ela não cabe apenas entre os meus braços, no meu laço. O que a minha razão conhece sobre mim mesma?! Pra qual distância ela pode me levar se apenas alguns passos ela pode enxergar?
Por mais que aperte a vida bem forte entre as minhas mãos, ela escorre entre os meus dedos, diluída em meu suor. O esperado se frustra e o traçado se desvirtua.
Me desespero e custo enxergar que toda vez o descontrole das rédeas me levam pro lugar, que no fundo, eu sempre quis estar. Por que não confiar?
A menininha doce, cheia de cuidados por todos os lados, sempre confundiu a sua sensibilidade com uma fragilidade que nem mesmo sabe se existia. O medo do medo que o medo dá quase sempre tornou o desconhecido, intolerável. O parque de diversões que vivia no sonho se tornou sem graça diante da possibilidade da desconhecida sensação de estar de ponta-cabeça com os pés a balançar. O beijo do menino que a cativava com o olhar, perdeu a doçura com o medo de não saber como lidar.
Por mais que crescesse, a dificuldade em deixar a menininha, no seu devido lugar, se retratava pela procura, incessante, por um outro alguém que pudesse me ajudar. Difícil perceber que as minhas próprias mãos me acalentam, que o meu próprio afago me conforta, que o meu próprio amor cura as feridas.
Quanto tempo passiva frente ao próprio destino? Quantas vezes ensaiando o ato heróico? Quantos amores perdidos? Quantos momentos não-vividos para permanecer no morno, naquilo que não aquece nem acalma? Maldita mania de viver no outono.
Ainda bem que as forças de vida-morte-vida vencem sempre o meu esforço em controlar. Descolorida seria essa vida se os meus passos fossem somente até onde o meu medo pode chegar.
Há um tempo atrás pedi que o ano fosse uma eterna festa de carnaval; comprei o convite pro baile e coloquei o vestido mais bonito; passei o batom vermelho e botei a flor no cabelo. Apenas (e não apenas) cometi o erro em insistir para carregar junto, agarrada ao peito, aquela mala velha, desgastada. Tão cheia, não dava conta de levar os novos sorrisos, com tantos medos, não tinha, sequer, lugar para os novos anseios. Nem sei o motivo certo pra levar tamanho fardo; a levo há tanto tempo, mas nunca a abri e nem sei, realmente, o que carrego dentro.
Entre goles e marchinhas de carnaval, o homem de sorriso bonito olhou-me com um olhar de dar arrepios e eu, com as pernas bambeando, destrambelhadamente quis seguí-lo sem a mala soltar. Levei um tombo certeiro que atingiu o meu joelho. Destino ou não, a menininha voltou a morar entre as pernas da mãe e a insistência na resistência concretizou a sua vontade de não se dobrar. O que era suportável, tornou-se dolorido.
A raiva que me tomou conta, não deixou perceber que fui lançada, exatamente, pra onde sempre achei que queria estar. O tempo ali demorou pra passar, mas como tudo nessa vida tem sua razão de ser (e de não ser), também foi o remédio pra cicatrizar as feridas que ainda sangravam e foi a dor necessária pra fazer gritar o meu desejo por liberdade.
A mala velha não me serve mais.
A vida insiste em me mostrar que não há o que temer, que não há nada de horrendo em nenhum lugar. Mesmo aqueles monstros, que habitam a escuridão do meu armário, são possíveis de enfrentar.
Sussurros ao pé do ouvido já me disseram que existe força aqui. Resolvi então, procurar. Às vezes me perco no caminho e o medo toma conta; as mãos paralisam, a boca formiga, o suor escorre em minha face e os meus olhos se enchem de água.
A tarefa de lidar comigo mesma realmente é árdua. Não adianta olhar pro lado e procurar por alguém pra fazer aquilo que somente eu posso fazer por mim mesma. Não adianta sentar e chorar esperando que a dó faça alguém lá no céu realizar algum milagre. Não adianta fugir. Não tem pra onde fugir. Não tem como se distanciar da dor porque a dor sou eu mesma e não há como sair de mim. O caminho é meu. Parece solitário. E é meu. Só meu.
O que tudo isso me faz sentir e me força acreditar é que entre o desespero e a desesperança existe um espaço pra brotar a confiança. O que não pode faltar é a persistência em resistir á tudo aquilo que pareço não suportar. E mesmo fora do alcance do meu olhar, um tambor no meu peito anuncia que a força realmente mora por lá.
O nó no peito ainda não está desfeito; a respiração ainda é ofegante; a ansiedade pela cura ainda me tira o sono, mas a única saída é lutar, todo dia lutar. E quando o sol se põe e a noite cai, eu me pego a pensar contra quem é que vivo a lutar. Eu procuro, procuro, procuro. Todas as luzes se apagam, os monstros e diabos vão se embora e a única que permanece ali, na minha frente, é aquela mala velha que eu estava a carregar.

Quanto perdemos tentando controlar o que vamos viver?! Quanto tempo deixamos de realizar por estarmos sempre a planejar o futuro?! E a propósito, que futuro é esse que nunca chega, que hoje é futuro e amanhã não será mais?! ... Mas que mania de querer controlar tudo. É incrível o quanto dependemos dos amigos, dos amores, da comida, dos vícios... na ilusão de preenchermos esse vazio que ecoa dentro de quase todos nós. A incessível tentativa de racionalizar tudo nos faz esquecer de olhar pra dentro. Quem é que fala com aquela pobre coitada chamada alma e que, por acaso, mora dentro da gente?! Sinto que a fome de alma é enganada pelos doces comidos compulsivamente, pela idealização doentia daquele amor impossível, pela ypioca e pelo trago do cigarro. Até quando viver assim?!
Descobrir que se tem medo da própria alma é algo assustador, descobrir que ali moram deuses e diabos juntos, é mais ainda. Aceitar, manifestar, aprender a amar tudo isso é tarefa pra vida inteira, mas é fascinante e, a solução pra todos os nossos problemas.
A divindade está na totalidade; naquilo que é e não naquilo que finge ser.
Deixe as máscaras para um baile de Carnaval...
(Escrito no Inverno de 2004)